O acesso à Justiça atinge um grande marco, eis
que resta cristalina a forma crescente de litígios perante o Judiciário.
Entretanto, diante do alto volume de conclusões, torna-se praticamente
impossível que todos os litígios sejam analisados e decididos de forma
satisfatória. Com isso, estimulam-se meios que sejam alternativos para a
resolução desses conflitos, minimizando a busca pelo Judiciário. Em outras
palavras, um desafogamento.
Importante salientar que tais medidas não impedem o
real acesso à Justiça, mas que em casos mais habituais exista uma forma menos
morosa de resolver o conflito. Recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, a
PL 3.999/20 vem com o objetivo de alterar dispositivos na lei de inquilinato
(8.245/91), otimizando a tramitação de pedidos de despejos, para que se tornem
litígios extrajudiciais. A resolução será mais simples, através do Cartório de
Registro de Títulos, podendo ainda ser por representação de um advogado.
Para dar início ao procedimento, o locador deverá se
dirigir ao cartório, ou o seu advogado (com procuração em mãos), com os
seguintes documentos: Contrato de aluguel, planilha de débitos e a tentativa
amigável de cobrança. Ao analisar, o cartorário irá prosseguir com a ata
notarial dos documentos apresentados.
Com a ata lavrada, o próprio cartório irá expedir
uma notificação extrajudicial (física ou eletrônica), concedendo ao locatário o
prazo de quinze dias corridos da entrega da notificação, para regularizar
os pagamentos ou desocupar e entregar as chaves do imóvel em cartório.
Esgotando o prazo concedido, se mantendo na inércia,
o locatário sofrerá um despejo compulsório, eis que considerado que todos
os meios amigáveis já tenham sido utilizados. A PL 3.999/20 vem sendo bem
otimista na perspectiva jurista, eis que a maior parte das ações que requerem o
despejo com base na lei de inquilinato (lei 8.245/91) é em decorrência da falta
de pagamento de aluguel.
Ocorre que, aos olhos do locador, a nova PL traz um
processo mais célere para a reintegração da posse no imóvel locado, além da
diminuição dos custos. Já para o locatário, não há tanto ponto positivo,
servindo mais para uma orientação para que cumpra regularmente aos vencimentos
do aluguel, diminuindo as chances de um despejo mais rápido e sem processo
judicial.
A proposta principal da PL 3.999/20 nada mais é que
diminuir as demandas (em massa) de ação de despejo, desde que o locador cumpra
os requisitos e apresente toda a documentação, mas, ao mesmo tempo,
proteja os direitos do locatário. As obrigações do locador consistem em (i)
comprovar a dívida, (ii) comprovar a negociação amigável diretamente com o
locatário, (iii) manifestar interesse no despejo, caso decorra o prazo da
notificação sem o devido pagamento ou na rescisão contratual caso o inquilino venha
a pagar ainda dentro do prazo.
Os deveres do locatário consistem em (i) ser
formalmente notificado, (ii) quitar a inadimplência, pelo valor indicado na
notificação e/ou (iii) desocupar o imóvel, através da entrega das chaves no
cartório.
Importante ressaltar que a simples desocupação e
entrega das chaves não afasta a obrigação do locatário em pagar a dívida
vencida. Para casos em que o locatário não pague e não desocupe o imóvel, o
locador pode, então, iniciar um despejo de forma coercitiva, considerando que o
locatário já teve uma notificação servindo como aviso prévio do despejo.
É indispensável que todas as etapas dessa fase
extrajudicial sejam respeitadas, pois não é porque não há litígio processual
que o direito habitacional, de defesa e da dignidade da pessoa humana não deva
ser respeitado.
Para terminar, como em qualquer mudança, existe uma
oposição. A objeção apresentada é que o cartório não terá uma competência
de análise do caso, sendo um procedimento bem objetivo. Em outras palavras, um
"cara crachá".
Com indicativos de dados, o desemprego é o maior
motivo para a inadimplência de aluguel no Brasil. Sendo esses, vulneráveis de
proteção e com baixa possibilidade de negociação.
As principais preocupações da oposição consistem no
aumento da comunidade sem-teto e despejo ilícito, diante do trâmite célere do
processo, sem a notificação detalhada e prazo suficiente ao devedor.
A bancada opositora traz algumas sugestões para que
sirva de discussão antes de implementar a nova lei. As sugestões consistem em
(i) realização de uma audiência de conciliação, (ii) aumento do prazo da
notificação e (iii) revisão judicial para casos em que o despejo compulsório
está sendo utilizado.
A PL 3.999/20 foi recentemente aprovada e ainda
suporta discussões sobre as previsões estabelecidas. Como toda e qualquer
mudança legislativa, existem lados positivos e negativos que, de forma
fundamentada, precisam ser analisados com cautela. É importante o debate
jurídico para que a balança da Justiça esteja em conformidade com os direitos e
deveres de ambas as partes envolvidas.
Fonte: Migalhas