O provimento 172 do CNJ, de junho de 2024, alterou o
Código Nacional de Normas do Extrajudicial para inserir o art. 440-AO que dá
nova interpretação ao art. 38 da lei 9.517/97, sobre a alienação fiduciária em
garantia de bens imóveis:
Art. 440-AO. A permissão de que trata o art. 38 da
9.514/97 para a formalização, por instrumento particular, com efeitos de
escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos
conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI
- Sistema de Financiamento Imobiliário (art. 2º da lei 9.514/97),
incluindo as cooperativas de crédito.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui
outras exceções legais à exigência de escritura pública previstas no art. 108
do Código Civil, como os atos envolvendo:
I - administradoras de Consórcio de Imóveis (art. 45
da lei 11.795, de 8/10/08);
II - entidades integrantes do Sistema Financeira de
Habitação (art. 61, § 5º, da lei 4.380, de 21/8/64).
Dispõe o art. 38 da lei 9.514/97:
Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta lei ou
resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão
ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos
de escritura pública. (redação dada pela lei 11.076/04)
A redação da legislação especial (art. 38 da lei
9.514/97) permitia que o contrato de alienação fiduciária em garantia fosse
celebrado por escritura pública ou instrumento particular, independentemente do
valor do bem, excepcionando a regra do art. 108 do Código Civil.
Muito embora se tratasse de exceção prevista em
legislação especial, havia uma inversão da lógica jurídica da constituição de
direitos reais no ordenamento, na medida em que o art. 108 determina a forma
pública para constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos
reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no país.
A alienação fiduciária em garantia confere direito
real de aquisição ao fiduciante, nos termos do art. 1.368-B, assim, seria
lógico que ela seguisse a disposição anterior do art. 108 do Código Civil. A
regra visa garantir maior segurança jurídica aos negócios que envolvam imóveis
e valores de alto montante, obrigando os particulares a submeterem o contrato à
análise profilática do tabelião de notas.
Além disso, a AFG é um contrato acessório e sua
acessoriedade muitas vezes se dá em relação à própria transmissão da
propriedade, não havendo sentido, portanto, que o negócio principal seja
obrigatoriamente por escritura pública e o acessório não.
Ao mesmo tempo, manter-se a exceção apenas aos
contratos em âmbito de SFH e de consórcio parece bastante adequado, na medida
em que existe uma natural carência de recursos financeiros dentro desses
sistemas e que as suas administradoras fazem um controle mais rigoroso de
documentos e compradores, a fim de suprir a segurança jurídica objetivada pelo
sistema.
A questão já vinha sendo discutida no procedimento
de controle administrativo do CNJ 0000145-56.2018.2.00.0000. Antes da publicação
do provimento 172, alguns estados já previam nas normas de serviço a
obrigatoriedade da escritura pública, como Pará, Maranhão, Paraíba, Bahia e
Minas Gerais - neste último, foi levantada a discussão em razão da alteração do
art. 852 do Prov. 260/CGG/13 (Código de Normas de MG).
No PCA, foi suscitado o limite do poder regulamentar
dos Tribunais. No âmbito de sua competência, o Tribunal pode editar
regulamentações sobre o serviço extrajudicial no Estado, vinculando os seus
serventuários, contudo, a norma não vincula as partes e demais usuários do
serviço. Isso gerava o seguinte problema: apenas em alguns estados, as partes
eram obrigadas a fazer o contrato por escritura pública, sob pena de
qualificação negativa no RI, mesmo que a lei federal permitisse o instrumento
particular e que elas não estivessem vinculadas às normas extrajudiciais.
Ademais, alegou-se que o art. 38 da lei 9.514/97
estava alinhado com os objetivos do SFI e SFH, que objetivam viabilizar o
financiamento em situações específicas, para promover a construção e aquisição
de casa própria, não havendo porque proibir a utilização do instrumento
particular nesses casos.
O PCA concluiu que competiria ao
CNJ "definir a melhor interpretação da legislação federal em comento,
dados os desdobramentos daí advindos (instabilidade jurídica na região,
eventuais ações judiciais a discutir a questão, possível interferência na
atividade jurisdicional, ausência de contraditório e ampla defesa aos
diretamente atingidos pela deliberação, possível descontrole dos registros
imobiliários da região, desorientação patrimonial, entre outros)".
Assim, nos parece que o ministro Luis Felipe Salomão
deixou um bom legado, acertando a lógica do sistema de transmissão da
propriedade imobiliária também à AFG a nível Federal. Além disso, a exceção
mantida ao SFI e sistema de consórcio está alinhada à suas finalidades de
construção e aquisição de casa própria.
Ademais, o ministro já anteviu a reforma do Código
Civil, cujo projeto dá nova redação ao art. 1081, colocando como regra que
todos os negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis sejam por escritura
pública, sem a limitação dos 30 salários mínimos.
Por fim, resta esclarecer uma dúvida prática que vem
sendo questionada. Em São Paulo, o item 1.6 da Tabela de Emolumentos do
Tabelionato de Notas preconiza que: "as transações, cuja
instrumentalização admitem forma particular, terão o valor previsto no item 1
da tabela reduzido em 40%, devendo sempre ser respeitado o mínimo ali previsto,
combinado com o art. 7º desta lei". Ainda será possível a aplicação do
desconto ou será cobrado o valor integral para as escrituras públicas de
alienação fiduciária em garantia sobre imóveis?
Parece mais correto que, deixando a escritura
pública de ser facultativa em âmbito de AFG, não será mais possível a aplicação
do referido item, devendo-se cobrar o valor integral. Embora o usuário seja
onerado financeiramente com tal mudança, dá-se agora uma maior segurança
jurídica ao negócio e ao sistema como um todo.
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Fonte: Migalhas