O Domicílio Eletrônico Judicial é uma ferramenta que
integra o Programa Justiça 4.0, iniciado em 2023, e que tem por objetivo
conectar os tribunais brasileiros às pessoas cadastradas, para concentrar todas
as comunicações de processos em uma única plataforma digital. Por ocasião do
cadastro, o usuário passa a ter acesso à plataforma que conterá todas as
comunicações processuais, entre elas, citações e intimações, de todos os
tribunais,1 relacionadas ao CPF ou ao CNPJ cadastrado. Para os tribunais a
adesão é obrigatória, com exceção do STF, e de acordo com o mapeamento que
apresenta o status de integração pelo Segmento Justiça Estadual do CNJ, dez
estados já concluíram sua integração, em nove ela está em andamento e, em três
ela ainda não iniciou.2 Inclusive, conforme dados fornecidos pelo CNJ, 38
tribunais já adequaram seus sistemas processuais eletrônicos para enviar e
receber comunicações por meio da plataforma - com destacada aderência pela
Justiça Estadual e Justiça do Trabalho.3
Em relação aos destinatários das comunicações, o
cadastro é obrigatório para a União, os Estados, o Distrito Federal e os
municípios, para as entidades da administração indireta, as empresas públicas e
as empresas privadas. A Portaria CNJ 46, de 16/2/24 estabeleceu o cronograma
nacional dos prazos para cadastramento voluntário no sistema da seguinte forma:
Pessoas jurídicas de direito privado têm de 1º/3/24
até 30/5/24;
Pessoas jurídicas de direito público, inclusive
Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública, de 1º/7/24 até
30/9/24;
Pessoas físicas, a partir de 1º/9/2024, sem data
final prevista. Para as pessoas físicas e as pequenas e microempresas que
possuem endereço eletrônico no sistema integrado da REDESIM - Rede
Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios
o cadastro é facultativo.
Vale lembrar que a Resolução CNJ 455/2022 instituiu
o Portal de Serviços do poder Judiciário, prevendo a citação por meio
eletrônico exclusivamente pelo Domicílio Judicial Eletrônico, em consonância
com a redação do art. 246 do CPC, dispositivo, aliás, que teve alteração substancial
pela lei 14.195/21 para disciplinar a possibilidade de citação por meio
eletrônico, mais especificamente mediante o envio de mensagem ao endereço
eletrônico (e-mail) cadastrado no sistema. No texto atual o legislador
delimitou o uso exclusivamente do endereço eletrônico como meio permitido para
as comunicações, afastando outras formas de comunicação, como o uso de
aplicativos de mensagem ou de redes sociais, confirmando o entendimento adotado
pelo STJ no julgamento do REsp 2.026.925/SP pela Terceira Turma, em agosto de
2023.4 O endereço eletrônico é um dos dados a ser fornecido no momento do
cadastro no sistema. Depois de realizado o cadastro, o usuário poderá optar por
receber mensagens de notificação por e-mail. Caso não ative as notificações, a
ciência das comunicações (não necessariamente do conteúdo das comunicações)
para ele, usuário, somente será possível acessando a plataforma.
Dito isso, o primeiro questionamento que surge é
quanto às consequências no caso de descumprimento do prazo para cadastramento
determinado pela Portaria: O que acontece para quem não promover o cadastro
tempestivamente?
A resposta está no §4º, do art. 1º, da Portaria CNJ
46/24, que prevê o cadastro compulsório da pessoa jurídica destinatária das
comunicações que não realizar o cadastro obrigatório dentro do prazo5. Convém
ressaltar que o art. 16, §1º, da Resolução CNJ 455/22 já previa o
compartilhamento de banco de dados cadastrais de órgãos governamentais com o
órgão do poder Judiciário, observados os princípios da LGPD. O cadastro
compulsório pode oferecer riscos, como, por exemplo, no caso de incorreção ou
desatualização dos dados, constantes das bases governamentais, principalmente
do endereço eletrônico. Isso, porque a publicação eletrônica substitui qualquer
outro meio, excepcionados apenas os casos em que a lei exija a intimação ou
vista pessoal. Além disso, considera-se automaticamente realizada a comunicação
após o decurso do prazo de dez dias corridos da data do envio eletrônico,
conforme disposto no art. 5º da lei 11.419/06. No caso das citações, chama
atenção a previsão de que, a ausência de confirmação, em até 3 dias úteis,
contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a sua realização por
outros meios, como correio, oficial de justiça e edital, porém será exigido do
destinatário a apresentação de justa causa, sob pena de lhe ser aplicada multa
de até 5% do valor da causa (art. 246, §§ 1º-A, 1º-B e 1º-C do CPC).
A análise e a definição das hipóteses que
caracterizam "justa causa" capaz de afastar a sanção será tarefa
da jurisprudência, e o mínimo que se espera é bom senso, pois o sistema exige
grau de inclusão digital que está longe de ser uma realidade em nosso país.
Por isso que a primeira ação necessária para pessoas
físicas e jurídicas é a atualização dos seus dados cadastrais no Domicílio
Judicial Eletrônico, na REDESIM e na Receita Federal do Brasil. A prudência
também orienta que seja feito o cadastro no sistema, evitando a sua realização
compulsoriamente. Como terceira ação, sugere-se o monitoramento diário das
mensagens recebidas para evitar surpresas e contratempos.
Na data de 26/4/24 o CNJ promoveu a webinário
"Domicílio Judicial Eletrônico", para esclarecimento de algumas
dúvidas relacionadas ao novo sistema.6 Para o cadastramento e acesso ao
sistema, por exemplo, foram informadas quatro etapas:
O acesso à plataforma (login realizado por meio do
gov.br e certificado digital válido);
O aceite do termo de adesão com cadastro do CNPJ
(preenchimento dos dados de e-mail, telefone, nome do responsável pelo CNPJ
etc.);
O gerenciamento de permissões de usuários, que
poderão variar de menor a maior acesso, inclusive do conteúdo das comunicações
(administradores, gestores, prepostos e empresas coligadas e filiais);
A consulta às comunicações eletrônicas.
No caso de pessoas jurídicas com filiais ou
coligadas, o sistema oferece como funcionalidades o acesso às comunicações
processuais, cadastramento e gerenciamento de filiais e coligadas. As figuras
que integram as relações dos sistemas são três:
O administrador: Cadastrado no primeiro acesso,
tendo acesso a todo o sistema, podendo cadastrar outros administradores (com
poderes amplos), filiais (vinculando seu CNPJ) e gerir outros perfis, como do
gestor e do preposto;
Gestor: Responsável pela gestão de pessoas e
informações, inclusive outros gestores e prepostos;
Preposto: Pessoa que acessa as comunicações
processuais por meio da tela de comunicação processual (podendo abrir
intimações, desde que habilitado para tanto). Para os advogados que já estão
habilitados nos processos em andamento não é necessário cadastro. Todavia, é
possível cadastrar um advogado como preposto, hipótese em que haverá vinculação
automática pelo sistema. Neste caso o advogado terá acesso a todas as
comunicações através da opção "meus representados". 7
Ferramenta indispensável para controle dos acessos
das comunicações processuais é o "log de auditoria", disponível pelo
sistema no campo "detalhes da comunicação". A opção descortina os
dados atrelados à data de abertura, hora, evento referido, além da origem
do acesso, permitindo, por meio técnico, o rastreamento.
Outro ponto de atenção abordado no webinário se
refere às intimações lançadas no Domicílio Judicial Eletrônico, e se o cliente
terá acesso e poderá ler a intimação dirigida ao advogado. A dúvida é
pertinente, principalmente para saber se a leitura pela parte dará início à
contagem do prazo processual do advogado. Na resposta, foi ressaltado que a
Resolução CNJ 455/22 instituiu três figuras, o Diário da Justiça Nacional, o
Domicílio Judicial Eletrônico e o Portal de Serviços do poder Judiciário, e que
o Domicílio tem por função precípua o recebimento de intimações eletrônicas e
citações de caráter pessoal (ao destinatário), enquanto que o Diário da Justiça
Nacional, as intimações destinadas aos advogados e atos de edital. Porém, de
acordo com as informações fornecidas no webinário, alguns tribunais, por
questões de política judiciária, entenderam enviar todas as intimações para o
Domicílio Judicial Eletrônico.8 A falta de padronização entre os tribunais
e a possibilidade de que o simples acesso do conteúdo pelo cliente (leigo)
determine a abertura do prazo processual não pode ser vista com bons olhos.
Há, ainda, um questionamento relativo aos notários e
registradores: para efeitos do cadastramento são eles considerados entidades da
administração indireta ou pessoas físicas? A dúvida poderá surgir em razão da
natureza pública dos serviços que são prestados pelos notários e registradores
mediante delegação do Poder Público e a resposta está no art. 4º, II, do
decreto-lei 200/67, que estabelece que compreendem a administração pública
indireta as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e
as fundações públicas. O exercício em caráter privado e a remuneração por
emolumentos, previstos no art. 236 da Constituição Federal também confirmam o
não enquadramento. Contudo, não se pode olvidar que os notários e registradores
possuem inscrição obrigatória no CNPJ da Receita Federal do Brasil, a qual se
destina única e exclusivamente para matrícula no cadastro específico do INSS
(CEI) e para o envio da declaração de operação imobiliária à Receita Federal
(DOI). Ainda assim, tabelionatos, registros públicos ou cartórios não têm
personalidade jurídica, o que não impede o equivocado ajuizamento de demandas
contra o "cartório", com a indicação do CNPJ. Diante de tudo isso, é
aconselhável que notários e registradores realizem o cadastro como pessoa
física e também promovam o cadastro do CNPJ, observado o prazo estabelecido às
pessoas jurídicas, evitando os riscos antes apontados.
__________
1 CNJ. Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível
aqui. Acesso em 26 abr. 2024.
2 CNJ. Painel: informação sobre a integração do
Domicílio Judicial Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em 21 mar 2024.
3 Justiça Estadual: TJAP, TJBA, TJDFT, TJCE, TJGO,
TJMT, TJPA, TJPB, TJPR, TJRJ, TJRS, TJRR e TJSE; Justiça Federal: TRF-4;
Justiça do Trabalho: TRT-1, TRT-2, TRT-3, TRT-4, TRT-5, TRT-6, TRT-7, TRT-8,
TRT-9, TRT-10, TRT-11, TRT-12, TRT-13, TRT-14, TRT-15, TRT-16, TRT-17, TRT-18,
TRT-19, TRT-20, TRT-21, TRT-22, TRT-23, TRT-24. In CNJ. Justiça 4.0. Perguntas
frequentes: Lançamento da 2ª Fase de Expansão (empresas privadas). Atualização
em 20/02/2024. Disponível aqui. Acesso em 26 abr. 2024.
4 No julgado foi decidido que a comunicação de atos
processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes
sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não
obedece às regras previstas na legislação atual para prática dos referidos
atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos.
In: STJ. REsp n. 2.026.925/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023. Disponível aqui. Acesso em 26
abr. 2024.
5 "Art. 1º Divulgar o cronograma de cadastro no
Domicílio Judicial Eletrônico, na forma seguinte: (...) § 4º- A pessoa
obrigada a se cadastrar no Domicílio Judicial Eletrônico, caso não o realize no
prazo fixado no art. 1º, será compulsoriamente cadastrada pelo próprio Conselho
Nacional de Justiça, conforme dados constantes junto à Receita Federal do
Brasil". Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5450. Acesso
em 30 de abr. 2024.
6 CNJ. Webinário - Domicílio Judicial Eletrônico.
Disponível aqui: Acesso em 26 abr. 2024.
7 CNJ. Webinário - Domicílio Judicial Eletrônico.
Disponível aqui. Acesso: Acesso em 26 abr. 2024.
8 É o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul e da maior parte dos tribunais que utilizam o PJE e já estão
integrados ao sistema do Domicílio Judicial Eletrônico. A Justiça do
Trabalho e o Tribunal de Justiça do Mato Grosso adotam posição diferente, sendo
que apenas a citação pessoal é enviada ao Domicílio Judicial Eletrônico, as
intimações processuais são encaminhadas ao Diário da Justiça.
CNJ. Webinário - Domicílio Judicial Eletrônico.
Disponível aqui. acesso: Acesso em 26 abr. 2024.
Fonte: Migalhas