A
responsabilização dos tabeliães e registradores por atos praticados no
exercício de suas funções tem sido um tema amplamente discutido nos tribunais
brasileiros, especialmente após o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em
julgados de repercussão geral. As decisões relativas aos Temas 777 e 940
estabeleceram balizas importantes para a definição da responsabilidade civil no
âmbito dos serviços notariais e de registro. Dentre essas discussões, um ponto
de grande relevância tem sido a ilegitimidade passiva dos tabeliães e
registradores em ações que busquem reparação por danos causados por atos
notariais, uma vez que o STF tem consolidado a tese de que a responsabilidade
recai sobre o Estado.
1.
A responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos tabeliães e registradores
Em
2020, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 842.846/SC (Tema 777),
decidiu que o Estado é objetivamente responsável pelos atos dos tabeliães e
registradores oficiais que causem danos a terceiros no exercício de suas
funções. De acordo com o entendimento firmado pela Corte, a responsabilidade do
Estado é solidária, direta e primária, sendo assegurado, nos casos de dolo ou
culpa, o direito de regresso contra o tabelião ou registrador responsável.
Este
entendimento se alinha ao princípio da responsabilidade objetiva do Estado,
consagrado no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Com base nessa
premissa, os tribunais superiores têm reiterado que o autor do ato notarial ou
registral não é parte legítima para figurar no polo passivo de uma ação
indenizatória, sendo o Estado o responsável por eventuais danos causados. O
direito de regresso é uma exceção, reservado aos casos em que o agente público
agir com dolo ou culpa, sendo, portanto, a responsabilidade civil do Estado
predominantemente objetiva.
Em
reforço a essa tese, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.027.633
(Tema 940), consolidou o entendimento de que, conforme o disposto no artigo 37,
§ 6º, da CF, a ação por danos causados por ato de agente público deve ser
ajuizada contra o Estado ou contra a pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviço público, sendo, portanto, ilegítimo o autor do ato para
responder no polo passivo da demanda.
2.
O impacto das decisões do STF nos tribunais inferiores
A
jurisprudência do STF tem sido seguida de forma consistente pelos tribunais
inferiores, que também reconhecem a ilegitimidade passiva dos tabeliães e
registradores nas ações de reparação de danos. O Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por exemplo, tem decidido,
reiteradamente, pela ilegitimidade passiva dos notários e registradores,
conforme se observa em casos que envolvem a tentativa de responsabilização
desses profissionais por falhas em atos notariais.
Em
decisão recente, o TJDFT reafirmou a tese de que a responsabilidade por danos
causados por tabeliães e registradores é objetiva, recaindo sobre o Estado. A
jurisprudência estabelece que, quando o ato notarial ou registral resulta em
dano a terceiros, é o Estado quem deve ser acionado para reparação, sendo o
tabelião ou registrador parte ilegítima para responder ao pedido indenizatório.
Essa linha de entendimento é respaldada pela interpretação dos Temas 777 e 940
do STF, que orienta a atuação dos tribunais em conformidade com as teses
firmadas pelo Supremo.
3.
A ilegitimidade passiva dos tabeliães e registradores: o caso dos danos morais
e materiais
A
ilegitimidade passiva dos tabeliães e registradores em ações de reparação de
danos não se restringe às situações envolvendo danos materiais, mas também se
estende aos casos de danos morais, quando os atos notariais ou de registro
causam prejuízos à honra ou à imagem de terceiros. O STF tem sido claro ao
afirmar que a responsabilidade é do Estado, o qual deve assumir a reparação por
danos causados por falhas na prestação de serviços notariais e de registro.
Em
um exemplo concreto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal analisou uma
ação de reparação de danos morais envolvendo a prática de um ato notarial em
que se alegava a fraude em um documento de procuração. O TJDFT, seguindo a
orientação do STF, declarou a ilegitimidade passiva do tabelião, reconhecendo a
responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados. Essa decisão reafirma
a posição consolidada no STF de que, em casos de falhas nos atos notariais, a
responsabilidade recai sobre o Estado, e não sobre o tabelião ou registrador.
4.
O princípio da ilegitimidade passiva: uma análise crítica
A
tese da ilegitimidade passiva do tabelião e do registrador é, sem dúvida, um
avanço no sentido da proteção da confiança pública nas funções delegadas pelo
Estado. A atividade notarial e registral, por sua natureza, deve ser entendida
como um serviço público delegado, no qual os tabeliães e registradores atuam
como agentes privados prestadores de serviços públicos. Assim, a
responsabilidade por falhas nesses serviços deve ser atribuída ao ente estatal,
que exerce o controle e a fiscalização sobre essas atividades.
No
entanto, há aqueles que questionam a aplicação estrita dessa responsabilidade
objetiva, principalmente em situações em que se demonstra culpa ou dolo por
parte do tabelião ou registrador. Embora o direito de regresso esteja garantido
nos casos de dolo ou culpa, a responsabilidade solidária do Estado parece, em
certos casos, permitir a extensão da reparação sem a devida análise do
comportamento do agente público. Esse debate levanta questões sobre o
equilíbrio entre a proteção dos interesses dos terceiros prejudicados e a
devida responsabilização dos agentes públicos.
5.
Conclusão: a responsabilidade do Estado e a ilegitimidade passiva dos tabeliães
Em
síntese, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, juntamente com
os tribunais inferiores, tem consolidado a ideia de que a responsabilidade
pelos danos causados pelos atos notariais e de registro é do Estado, sendo os
tabeliães e registradores parte ilegítima para figurar no polo passivo das
ações de reparação de danos. Essa linha de entendimento reforça a ideia de que
a função pública delegada deve ser tratada de forma a preservar a confiança dos
cidadãos nos serviços prestados, assegurando a reparação de danos de forma
objetiva e solidária.
Entretanto,
embora o STF tenha fixado a tese de ilegitimidade passiva dos tabeliães, o
debate sobre a responsabilidade solidária do Estado e o direito de regresso
contra os agentes públicos nos casos de dolo ou culpa permanece relevante. É
imprescindível que a aplicação dessa jurisprudência seja acompanhada de uma
análise cuidadosa dos casos concretos, garantindo a justiça e a proteção dos
direitos dos cidadãos que possam ser afetados por falhas no serviço público.
Fonte:
Conjur