A Usucapião Extrajudicial também pode ser
feita sob o pálio da gratuidade, isentando o interessado de custas e
emolumentos, conforme ato normativo local que disponha sobre a concessão da
isenção para atos extrajudiciais.
RECONHECIMENTOS DE FIRMA, Autenticações, Escrituras, Procurações e registros
(de imóveis, de casamentos, de pessoas jurídicas). O que há em comum entre
todos esses atos? São todos praticados pelos Cartórios Extrajudiciais, sejam
eles atos notariais ou atos registrais. Se trata da concretização de todos os
comandos alinhados na Lei Federal 8.935/94 que regulamentando o art. 236 da
Constituição Federal aponta expressamente que competirá aos Serviços Notariais
e Registrais (mais conhecidos como "Cartórios") garantir a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos por esses
praticados. Sendo atos praticados unicamente na via extrajudicial devem estar à
disposição de todos os cidadãos, inclusive - e principalmente - aqueles que não
podem pagar por eles (os hipossuficientes), especialmente aqueles atos que
representam o exercício de carísismos direitos constitucionais como a
PROPRIEDADE e a MORADIA, umbilicalmente ligados à DIGNIDADE da pessoa humana.
Infelizmente muita gente até hoje não sabe que atos notariais e registrais,
ainda que executados por Cartórios Privatizados, podem ser obtidos inteiramente
sem o pagamento dos elevados EMOLUMENTOS e acréscimos legais. A questão é
tratada atualmente no âmbito da normatização de cada Estado.
No Rio de Janeiro o ATO NORMATIVO CONJUNTO TJ/CGJ 27/2013 regula a questão,
assim como o artigo 206 do Código de Normas Extrajudiciais (que precisamos
recordar, foi alterado para se compatibilizar com as regras determinadas pelo
CNJ anos atrás), diante do descumprimento reiterado por muitas Serventias -
fato que lamentamos muito.
É muito importante frisar que para a solicitação dos atos notariais e
registrais (quaisquer atos realizados pelos Cartórios, não só os indicados no
início deste breve ensaio mas inclusive o DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL, o INVENTÁRIO
EXTRAJUDICIAL, a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL e a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL)
bastará - pelo menos aqui no Rio de Janeiro - que o pedido seja direcionado ao
Cartório que detenha atribuições para realização do serviço, através de
Requerimento escrito assinado pelo interessado, não podendo a Serventia exigir
comprovantes de renda, CNIS, contracheque, declaração de imposto de renda e
semelhantes. O artigo 2º do Ato Normativo Conjunto editado pelo TJRJ e pela CGJ
em 2013 assim determina:
"Art. 2º. Para efeito de solicitação de gratuidade na prática de ato
extrajudicial, ao fundamento de hipossuficiência, é NECESSÁRIA e SUFICIENTE a
apresentação de declaração de pobreza, a qual deverá ser formalizada por
escrito e assinada pelo interessado na prática do ato, podendo ser utilizado,
para esse fim, formulário previamente impresso.
§ 1º. Na declaração de pobreza deve constar, à luz do artigo 4º da lei
1.060/50, a afirmação do requerente de que não tem condições de efetuar o
pagamento do valor dos emolumentos e acréscimos legais sem prejuízo de seu
próprio sustento ou de sua família.
§ 2º. Excetuam-se da disposição contida no caput os atos de registro de
nascimento e de óbito, e expedição da primeira certidão respectiva, na forma da
Lei nº 9.534/97".
...
Para se ter uma ideia da recalcitrância e injusta resistência ao cumprimento
da Norma diversos AVISOS já foram expedidos pela CGJ para ratificar o óbvio:
que o DIREITO À GRATUIDADE no âmbito extrajudicial existe e precisa ser
respeitado. Um deles é o AVISO NUR10 nº. 002/2023 (DO. de 30/05/2023), de
clareza solar que sintetiza muito bem as regras que precisam ser conhecidas
tanto pelos usuários quanto pelos prepostos, operadores e principalmente pelos
colegas ADVOGADOS que militam na importante seara extrajudicial:
"1 - A declaração de hipossuficiência, firmada diretamente pelo
interessado ou por meio dos formulários previamente disponibilizados pelo
serviço extrajudicial, é o ÚNICO e BASTANTE REQUISITO para a instrução dos
pedidos de gratuidade para a prática de atos extrajudiciais;
2 - Constitui ilícito administrativo a exigência, pelo serviço
extrajudicial, de documento expedido por entidades assistenciais (a exemplo da
FUNDAÇÃO LEÃO XIII e assemelhadas) para instrução dos pedidos de gratuidade de
emolumentos devidos pela pratica de atos extrajudiciais;
3 - Constitui ilícito administrativo a inclusão nos formulários previamente
elaborados pelo serviço extrajudicial de declaração da parte acerca de sua
condição financeira, patrimônio, composição familiar, justificativa para o
pedido de isenção, bem como advertências acerca de eventual responsabilidade
criminal do declarante (art. 98, Lei n. 13.105/2015 - CPC, art. 2º § 1º Ato
Normativo Conjunto n. 27/2013 e art. 206 § 1º CNCGJ-parte extrajudicial).
4 - Constitui ilícito administrativo exigir, via de regra, a qualquer pedido
de gratuidade pela prática de atos extrajudiciais, documentos comprobatórios da
hipossuficiência declarada pelo interessado, solicitação que somente se
legitima em casos excepcionais de fundada suspeita ou dúvida, pelo
titular/responsável pelo expediente, acerca da situação da parte (art. 206 § 2º
CNCGJ-parte extrajudicial) que, inclusive pode ser superada por outros
elementos de prova (art. 206 § 3º, CNCGJ-parte extrajudicial);
5 - Constitui ilícito administrativo a negativa do recebimento do pedido de
gratuidade pelo serviço extrajudicial ao argumento da não apresentação de
documentos comprobatórios do alegado estado de hipossuficiência, uma vez que a
declaração goza de presunção legal de veracidade. A gratuidade de justiça
somente poderá ser denegada por manifestação de autoridade judiciária
competente, em procedimento de dúvida instaurado pelo serviço extrajudicial, no
prazo e fundamentos marcados na legislação em vigor (artigo 38, § 1º, da Lei
Estadual n. 3.350/1999, combinado com o art. 3º do Ato Normativo Conjunto n. 27/2013
e art. 207 do CNCGJ-parte extrajudicial)".
No que diz respeito à USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, trata-se de uma excelente
forma de regularização da propriedade imobiliária que deve estar à disposição
também de quem não pode pagar pelos emolumentos e repasses obrigatórios que
oneram consideravelmente a realização do procedimento em Cartório.
Como destacamos aqui, o procedimento deve ser realizado no Cartório de Notas
(para a lavratura da ATA NOTARIAL) e também no Cartório do Registro de Imóveis
(para a tramitação e o registro), podendo inclusive ser realizado no Cartório
de Títulos e Documentos para a realização das Notificações de que trata o
art.4077 do Provimento CNJ1499/2023, por exemplo. Na prática os custos são
elevados e podem fazer com que a via extrajudicial (muito vantajosa pela
promessa de celeridade) fique reservada apenas a quem possa pagar pelos custos
- o que nunca foi o real objetivo da desjudicialização.
A gratuidade concedida no Procedimento de Usucapião deverá abarcar todas as
etapas necessárias (Lavratura de Ata Notarial, Registro, autenticações,
reconhecimentos de firma, notificações etc) para a realização do direito
vindicado. Não é demais recordar que ainda que a parte não possa pagar os
honorários advocatícios tabelados pela OAB para ser assistida por Advogado
Particular, poderá ser representado no procedimento extrajudicial por DEFENSOR
PÚBLICO como destaca o artigo 399 da normatização:
"Art. 399. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de
reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente —
representado por advogado ou por DEFENSOR PÚBLICO, nos termos do disposto no
art. 216-A da LRP —, que será processado diretamente no ofício de registro de
imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a
maior parte dele".
Ainda assim, é plenamente aplicável na seara extrajudicial também a regra
estatuída na Súmula 40 do TJRJ que destaca:
"Súmula nº. 40 - TJRJ. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFENSORIA PÚBLICA.
ADVOGADO PARTICULAR. REPRESENTAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NÃO RECEBIMENTO DE
HONORÁRIOS."Não é obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do
beneficiário da gratuidade de Justiça, facultada a escolha de advogado
particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de
que não cobra honorários".
Com toda razão, uma vez preenchidos os requisitos para a concessão da
gratuidade de justiça, evidenciada a hipossuficiência - que se não aceita de
plano só pode ser recusada por MAGISTRADO e jamais pelo Tabelião ou Registrador
a teor do que dispõe o Ato Normativo referido - a via extrajudicial deve estar
acessível a todos que dela necessitam em verdadeiro ACESSO À JUSTIÇA, como
confirma a decisão do Conselho da Magistratura do TJRJ:
" TJRJ. 0001633-63.2022.8.19.0004. J. em: 22/02/2024 - CONSELHO DA
MAGISTRATURA. APELAÇÃO. Dúvida suscitada pelo Delegatário do Cartório do RCPN
da 1ª Circunscrição do 4º Distrito de São Gonçalo/RJ. Pretensão de isenção do
pagamento de emolumentos para a lavratura de ATA NOTARIAL de USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL.
Oficial suscitante aponta indícios de que os interessados não fazem jus ao
benefício da gratuidade. Sentença julgou IMPROCEDENTE a Dúvida. Interposição de
recurso de apelação pelo Oficial Suscitante. Parecer da Procuradoria opinando
pelo não conhecimento do Reexame Necessário. Recurso conhecido. Existência de
precedentes deste Conselho da Magistratura quanto à legitimidade do Oficial
Registrador para recorrer em procedimentos de Dúvida que tratem de Gratuidade
de Justiça. Manutenção da IMPROCEDÊNCIA da Dúvida. Hipossuficiência econômica
devidamente comprovada nos autos. Recurso a que se NEGA PROVIMENTO".
Fonte: Jornal
Jurid