Durante a tarde desta
segunda-feira (3), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reuniu especialistas
para debaterem a possibilidade da penhora de imóvel com financiamento garantido
por alienação fiduciária no
curso da execução de débitos condominiais. O evento foi transmitido pelo canal
do tribunal no YouTube.
O assunto é objeto
de recursos especiais que,
embora não tenham sido qualificados como repetitivos,
foram afetados pela Quarta Turma à Segunda Seção para pacificação do tema no
STJ.?????????
A audiência foi
convocada pelo ministro Antonio Carlos Ferreira para subsidiar a Segunda Seção
no julgamento de três recursos sobre o tema.?Segundo o relator do processo,
ministro Antonio Carlos Ferreira, o tema é de extrema importância para o país,
pois gera implicações em diversos segmentos. O ministro explicou que a Terceira
Turma possui entendimento no sentido de que não é possível a penhora do imóvel
nessas situações; contudo, recentemente, a Quarta Turma admitiu essa
possibilidade, diante da natureza propter
rem da dívida condominial.
"Diante dessa controvérsia,
a Quarta Turma afetou à Segunda Seção três recursos
especiais para resolver essa divergência, com vistas a
manter a sustentabilidade dos condomínios e ao mesmo tempo não agravar o custo
do crédito imobiliário", disse.
O ministro Marco Aurélio
Bellizze também acompanhou a audiência presencialmente.
O primeiro painel da audiência
teve a exposição do professor Rubens Carmo Elias Filho, representante da
Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo
(AABIC-SP), da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) e
da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Imobiliário (ABMI).
Para ele, é preciso encontrar
uma regra que traga equilíbrio entre o crédito fiduciário e a despesa
condominial. "O crédito fiduciário alimenta o sistema habitacional,
enquanto o crédito condominial contribui para que o imóvel, que é a garantia do
crédito fiduciário, preserve seu valor e sua funcionalidade", disse.
Segundo informou, as execuções das cotas condominiais têm sido muito
prejudicadas na medida em que a penhora dos direitos do devedor fiduciante não
é efetiva, e as execuções ficam anos paradas, sem liquidez.
Na sua avaliação, a penhora do
imóvel para pagamento das dívidas condominiais deve ser possibilitada em
situações determinadas, de forma a preservar tanto o crédito da alienação
quanto o crédito condominial. "Essa construção de que o credor fiduciário
só responde pelas despesas após a imissão
na posse não é uma regra aplicada ao condomínio, mas para o
acertamento de contas do credor com o devedor", ponderou.
O representante da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban), Anselmo Moreira Gonzalez, observou que há 20
anos o STJ entende que as dívidas de condomínio não podem levar à penhora do
imóvel. Ele informou que, nos últimos 16 anos, houve um crescimento relevante
do crédito imobiliário no Brasil, chegando ao patamar de R$ 1 trilhão de saldo
em fevereiro de 2024. Para ele, a mudança nesse entendimento pode comprometer
tal crescimento.
"O entendimento atual do
STJ dá segurança ao agente de crédito. Hoje, quando um banco concede um crédito
imobiliário, ele tem a tranquilidade de que o artigo
27, parágrafo 8, da Lei da Alienação Fiduciária e o artigo
1.368-B do Código Civil são expressos em dizer que é o
patrimônio do devedor fiduciante que responde pelas dívidas do
condomínio", argumentou. Na sua avaliação, não há nenhuma alteração no
contexto socioeconômico do Brasil que justifique a alteração dessa
jurisprudência.
O advogado Augusto de Paiva
Siqueira, representante da Associação Nacional da Advocacia Condominial
(Anacon), defendeu a admissão da penhora para o pagamento das dívidas
condominiais. Ainda que as leis estabeleçam a responsabilidade do devedor
fiduciante de arcar com a despesa condominial após a posse – ponderou –, isso
não pode significar, dentro da interpretação sistemática das leis, a
impossibilidade de o credor fiduciário arcar com esse inadimplemento.
"A natureza propter rem do
imóvel decorre de uma situação jurídica de direito real, não decorre de um
ajuste volitivo, e não se extingue por vontade das partes. A jurisprudência
sempre prestigiou a garantia do condomínio, que deve ser maior na execução do
crédito condominial", afirmou.
Alaim Giovani Fortes Stefanello
falou pela Caixa Econômica Federal (CEF), recorrente em um dos processos
representativos da controvérsia. Segundo afirmou, a CEF responde por cerca
de 70% do crédito imobiliário no Brasil, sendo quase 50% destinados a pessoas
com renda de quase R$ 4 mil. Na sua opinião, são as pessoas de baixa renda que
vão sofrer os efeitos dessa mudança, uma vez que a flexibilização dessa regra
pode levar ao aumento do valor do financiamento.
Para ele, a solução é adotar a
regra prevista no artigo
22, parágrafo 6º, da Lei 9.514/1997, segundo a qual o condômino que
não honrar com as suas obrigações terá o financiamento encerrado
antecipadamente. Com isso, observou, o imóvel é levado a leilão, quitam-se as
dívidas do condomínio, e o bem volta a atender ao seu fim social, com outra
pessoa podendo usufruir dele.
"A CEF pede a manutenção da
jurisprudência consolidada do STJ, no sentido da impossibilidade da penhora do
imóvel, mas com a possibilidade da penhora dos direitos do contrato, sem que se
relativize o instituto jurídico da alienação
fiduciária, prevista em lei, e sem que se penalize com o aumento
do custo do crédito e a diminuição da oferta de imóvel, especialmente, a
população de baixa renda", concluiu.
Abrindo o terceiro painel, o
advogado Thiago Dueire Lins Miranda falou em nome do Sindicato das Empresas de
Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Edifícios em
Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado de Pernambuco (Secovi-PE).
Ele defendeu a possibilidade de
o imóvel alienado ser levado à hasta pública em virtude dos débitos
condominiais. "É necessário, no entanto, que o credor fiduciário integre
previamente o polo passivo da demanda ou, ao menos, que seja citado como
interessado (artigo 238 do Código de Processo Civil) e devidamente intimado dos
atos constritivos que recaiam sobre o imóvel, a fim de que possa adotar as
providências, conforme seu interesse", ressaltou o advogado.
Na sequência, o advogado Melhim
Namem Chalhub manifestou o posicionamento da Associação Brasileira das
Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Assim como seu
antecessor, ele defendeu a preservação da jurisprudência do STJ no sentido de
que o devedor fiduciante deve responder pelas obrigações condominiais.
Segundo o advogado, o indivíduo
que tem o direito real de fruição sobre o bem também deve arcar com suas
obrigações. "O direito real de fruição do devedor fiduciante está definido
claramente no Código Civil, no artigo 1.368-B, que atribui ao comprador/devedor
fiduciante o direito real de aquisição daquele imóvel", detalhou.
No quarto painel, o advogado
Marcus Vinicius Kikunaga, em nome da Academia Nacional de Direito Notarial e
Registral (AD Notare), defendeu a penhora do imóvel alienado fiduciariamente.
Em seu discurso, Kikunaga destacou que o objetivo da contribuição condominial é
alimentar, ou seja, manter a subsistência do organismo condominial.
O advogado ainda apontou que,
quando há alienação fiduciária,
existe, na verdade, uma solidariedade de obrigações entre o devedor fiduciante
e credor fiduciário, por conta da natureza propter
rem da obrigação. "Na alienação fiduciária, nós
temos dois titulares de direitos reais sobre a coisa: um titular de direito
real sobre coisa própria, que é o credor fiduciário, e um titular de direito
real sobre coisa alheia de aquisição, que é o devedor fiduciante."
Em seguida, a advogada Regina
Céli Silveira Martins se pronunciou pela
Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). A advogada
defendeu a penhora do imóvel alienado fiduciariamente.
Ela destacou que a alienação fiduciária é
uma forma de garantia imobiliária, que trouxe um grande avanço na solução do
déficit habitacional desde a sua criação, tornando o sonho da casa própria uma
realidade para a população brasileira. "O direito garantido
fiduciariamente permite que diversos tipos de negócios, desde o pequeno
empreendimento familiar até as grandes indústrias, possam obter financiamentos,
fazendo a economia se movimentar muito mais", declarou.
A advogada ainda destacou que a
penhora do imóvel, garantia da alienação
fiduciária, só pode ocorrer com a anuência do credor. "É
justo um credor fiduciário perder a sua garantia, em razão de um condomínio não
diligente? É justo o credor fiduciário responder pelo pagamento de débito de
condomínio de um imóvel que ele não pode usar, gozar e dispor?"
No quinto e último painel, o
advogado Roberto Garcia Merçon representou o Sindicato Patronal de Condomínios
Residenciais, Comerciais e Mistos, e de Empresas Administradoras de Condomínios
no Estado do Espírito Santo, exceto região sul (SIPCES). Ao defender a penhora
do imóvel na fase executória, o advogado indicou que os condomínios que mais trazem
as execuções de cobrança são os condomínios do Minha Casa, Minha Vida.
"Uma vez sabido dentro
dessas comunidades que o imóvel alienado fiduciariamente não vai ser mais
passível de penhora, a inadimplência vai crescer muito. E tendo em vista que a
taxa condominial existe para a manutenção da própria edificação, com o aumento
da inadimplência, o próprio credor vai perder, pois a unidade que possui no
edifício vai ficar deteriorada. O lado social não pode ser esquecido, nós não
podemos deixar que a inadimplência deteriore tanto o patrimônio do credor
fiduciário como o do devedor fiduciante", afirmou.
Já o advogado José Carlos
Baptista Puoli expôs o posicionamento do Sindicato das Empresas de Compra,
Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais do Estado
de São Paulo (Secovi-SP), segundo o qual a penhora, caso cabível, deve se dar
única e exclusivamente em cima dos direitos creditícios decorrentes da alienação fiduciária. Puoli
argumentou que a dívida e a responsabilidade têm um só destinatário: aquele que
usufruiu dos serviços e das utilidades possibilitadas pela vida em condomínio é
quem é o efetivo devedor.
"O credor fiduciário estará
isento de responsabilidade na medida em que a propriedade é resolúvel, é apenas
uma relação de garantia. Todos nós que vivemos em médios e grandes centros
urbanos sabemos da relevância da vida em condomínio e do rateio de despesas.
Mas se assim é, que a gente faça sentir as dores aquele que é o efetivo
causador dessa celeuma. Essa penhora que atinge o patrimônio de quem não é
detentor da responsabilidade trará problemas creditórios importantes, como uma
diminuição do volume de relações creditícias", concluiu.
Fonte:
Notícias
STJ