O Supremo Tribunal
Federal tem jurisprudência pacífica no sentido de que há necessidade de que os
titulares que ingressaram após 05.10.1988, sejam aprovados em concurso público
de provas e títulos, sob pena de nulidade do ato.
A Constituição Cidadã
de 1988 e a lei 8.935/94 inauguraram um novo formato jurídico para as serventias
extrajudiciais, formadas pelo Tabelionato de Notas, Registradores Civis de
Pessoas Naturais, Tabelionato de Protestos, Registro Civil de Pessoas
Jurídicas, Registro de Títulos e Documentos e Registradores de Imóveis. O art.
236 da CF/88 assevera:
Art. 236. Os serviços
notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público.
§ 1º Lei regulará as
atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos
oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus
atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal
estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos
praticados pelos serviços notariais e de
registro.
§ 3º O ingresso na
atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e
títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de
concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Assim, notário e
registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública, prezando
sempre pela segurança jurídica, validade, eficácia e publicidade dos atos e
negócios jurídicos.
Incrivelmente,
passados praticamente 34 anos da promulgação da CF/88, este foi um dos únicos
artigos da Carga Magna que ainda não teve qualquer alteração efetivada pelo
Congresso Nacional, via Emenda Constitucional, embora existam propostas
tentando efetivar interinos em serventias, sem o devido concurso público (p.
ex., EC 471/2005).
Mister consignar que
o trabalho exercido pelo tabelião e pelo registrador é vital para a manutenção
da segurança jurídica no país, pois, por exemplo, o registrador de imóveis1:
[...] é o responsável
pela manutenção, conservação e proteção dos direitos reais. Em alguns países
ele é chamado de conservador da propriedade. O termo 'oficial' é genérico,
servindo tanto para notários como para registradores. O registrador presta um
serviço público e, portanto, a expressão "cartório" muitas vezes é
substituída pela expressão 'serviço de registro". Para compreender o
serviço de registro de imóveis no Brasil, é necessário localizar a atividade na
CF/88. É o art. 236 que ilumina o caminho, determinando que "os serviços
notariais e de registros são exercícios em caráter privado, por delegação do
poder público".
Não se pode olvidar,
aliás, que a serventia de registro de imóveis tem correlação efetiva com o
direito à moradia, já que a propriedade imóvel é direito constitucional2:
[...] Antes mesmo de
se aferir a existência de eventual direito à casa própria é imperioso tratar,
ainda que superficialmente, da maneira como a Constituição Federal de 1988
regulamenta a garantia fundamental à propriedade, assim como sua denominada
função social, bem como se esta é fator capaz de vincular ou, até mesmo, de
limitá-la.
Por sua vez, a fé
pública, por outro lado, é um dos pilares da atividade notarial e registral,
pois é vista sob dois aspectos3:
[...] a) na esfera
dos fatos, o efeito de presunção de veracidade dos atos praticados e,
consequentemente, de seu valor probatório; b) na esfera do Direito, a
autenticidade e legitimidade dos atos e negócios documentados ou levados à
publicidade registral.
Importante asseverar
que por muito tempo as Ordenações do Reino vigoraram como leis em nosso país,
inclusive na seara notarial e registral, sendo que a Igreja Católica, durante
um período do Império, teve importante papel no direito registral imobiliária
do país4:
[...] As Ordenações
do Reino vigoraram durante o período em que o Brasil era colônia de Portugal.
Essas disposições régias davam relevo especial à atividade dos Tabeliães,
nomeados exclusivamente pela Coroa Portuguesa para atuarem em todo o Reino.
Essas ordenações regulavam a prática dos atos a cargo desses funcionários
(Livro I, títulos LXXVII e LXXX; Livro II, título XLV), dispondo sobre como
seriam lavradas as Escrituras negociais (contratos) e testamentos.
Durante o Império,
que teve início em 1822 com a declaração de independência, houve ênfase, em
matéria de registros públicos, relativamente á tutela das pessoas e da
propriedade imobiliária. A atividade de realização desses registros (de pessoas
naturais e da propriedade imobiliária) ficou principalmente a cargo da Igreja
Católica, refletindo a situação social tremendamente deficitária do país e a
debilidade da estrutura administrativa.
Anteriormente à data
de promulgação da CF (05.10.1988), praticamente cada Estado da federação tinha
uma forma de organizar tais serviços notariais e registrais, alguns realizando
concursos, outros não, portanto, com o advento da CF/88, tal paradigma mudou
radicalmente, exigindo-se, para a titularidade de qualquer serventia
extrajudicial, da aprovação em concurso público de provas e títulos.
O Supremo Tribunal
Federal tem jurisprudência pacífica no sentido de que há necessidade de que os
titulares que ingressaram após 05.10.1988, sejam aprovados em concurso público
de provas e títulos, sob pena de nulidade do ato5:
[...] O ingresso na
atividade notarial e registral sem a prévia aprovação em concurso público de
provas e títulos, traduz-se na perpetuação de ato manifestamente
inconstitucional, mercê de sinalizar a possibilidade juridicamente impensável
de normas infraconstitucionais normatizarem mandamentos constitucionais
autônomos, autoaplicáveis. 8. O desrespeito à imposição constitucional da
necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso da carreira
notarial, além de gerar os claros efeitos advindos da consequente nulidade do
ato (CRFB/88, art. 37, II e §2º, c/c art. 236, §3º), fere frontalmente a
Constituição da República de 1988, restando a efetivação na titularidade dos
cartórios por outros meios um ato desprezível sob os ângulos constitucional e
moral. 9. Ordem denegada." (MS 26.860, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno,
DJe de 23/9/2014) "CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGAÇÃO DE
ATIVIDADE NOTARIAL OU CARTORÁRIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO APÓS A PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO DE 1988. NECESSÁRIA PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. 1. Após
a promulgação da Constituição de 1988, a delegação de atividade notarial ou
cartorária extrajudicial.
Em outra
oportunidade, o STF verificou flagrante inconstitucionalidade em se
transformar/promover servidores do Judiciário em tabeliães ou registradores6:
[...] Lei estadual
que estabelece normas para a realização do concurso de remoção das atividades
notariais e de registro. Dispositivo que assegura ao técnico judiciário
juramentado o direito de promoção à titularidade da mesma serventia e dá
preferência para o preenchimento de vagas, em qualquer concurso, aos
substitutos e responsáveis pelos expedientes das respectivas serventias. Ofensa
aos arts. 37, II, e 236, § 3º, da CF.
Além de tal ato
inconstitucional não decair no prazo de 5 anos7: [...] A revisão de atos
eivados de flagrante inconstitucionalidade, como é o caso do de outorga de
delegação, sob a égide da Carta de 1988, sem prévia realização de concurso de
provimento ou de remoção, não se sujeita ao prazo decadencial quinquenal
previsto no art. 54 da lei 9.784/99.
O Conselho Nacional
de Justiça - CNJ, como forma de regulamentar tal importante atividade, editou a
Resolução 81/09 com as diretrizes mínimas para a efetivação de tais concursos
públicos, trazendo maior segurança para os Tribunais de Justiça do país.
Assim, os titulares
das serventias extrajudiciais, embora aprovados em concurso público, são
delegatários do serviço público, agentes em colaboração, ou seja, não são
servidores públicos em sentido estrito, sendo incabível a aplicação da regra da
aposentadoria compulsória8:
[...] O art. 40, §
1º, II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC
20/1998, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do
Distrito Federal e dos Municípios - incluídas as autarquias e fundações. Os
serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em
caráter privado por delegação do poder público - serviço público não privativo.
Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares
de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores
públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado art. 40
da CF/1988 - aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade.
Como atua como
particular em colaboração com o poder público, o delegatário não se restringe
ao teto do funcionalismo público, conquanto o interino sim9:
[...] O titular
interino não atua como delegado do serviço notarial e de registro porque não
preenche os requisitos para tanto; age, em verdade, como preposto do poder
público e, nessa condição, deve-se submeter aos limites remuneratórios
previstos para os agentes estatais, não se lhe aplicando o regime remuneratório
previsto para os delegados do serviço público extrajudicial (art. 28 da lei
8.935/94).
No que tange à
responsabilidade civil, o STF, por intermédio da tese 777 de repercussão geral,
asseverou:
O Estado responde,
objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no
exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de
regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de
improbidade administrativa.
Neste viés, se
eventualmente um registrador civil causar dano a um usuário do serviço, por ato
típico da função, o Estado será objetivamente responsável, sendo que, uma vez
perdedor, o Estado posteriormente ajuizará ação civil regressiva em desfavor do
Tabelião ou Registrador, sob pena de improbidade administrativa.
No tema de
repercussão geral 349, o STF declarou que apenas o registro de alienação
fiduciária no DETRAN do Estado já é suficiente para a constituição da garantia
fiduciária e respectiva publicidade, não havendo necessidade de duplo registro
no Registro de Títulos e Documentos10:
[...] Propriedade
fiduciária. Veículo automotor. Registro. Surge constitucional o § 1º do art.
1.361 do CC/2002 no que revela a possibilidade de ter-se como constituída a
propriedade fiduciária com o registro do contrato na repartição competente para
o licenciamento do veículo.
Também é
constitucional lei do Estado-membro que determina que os tabeliães e
registradores tenham de residir na Comarca, bem como comprovar assiduidade na
serventia, conforme julgamento do STF11:
[...] Compete aos
Estados-membros, no exercício de sua autonomia administrativa e no desempenho
do papel fiscalizador do Poder Judiciário local, inspecionar, ordenar,
normatizar e disciplinar a prestação dos serviços notariais e de registro,
inclusive com a estipulação de deveres dirigidos aos agentes delegados, relacionados
à prestação efetiva e adequado do serviço, com qualidade à população (lei
8.935/94, art. 38), tal como, no caso, através da criação dos deveres de
residir na comarca ou distrito onde localizada a serventia e de observar a
pontualidade e a assiduidade no serviço. Compatível com o regime geral (lei
6.015/73, art. 19) a estipulação, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de
prazo para a expedição de certidões pelas instituições cartorárias, observado o
parâmetro máximo fixado na Lei dos Registros Públicos (até cinco dias).
No que tange
especificamente à cobrança de emolumentos, o STF declarou que se trata de taxa,
espécie tributária, com as consequências oriundas de tal determinação
constitucional12, inclusive no que tange às vedações constitucionais ao poder
de tributar:
[...] A
jurisprudência do STF firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e
os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem
natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços
públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua
instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime
jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo
vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, entre outras,
as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da
legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade.
Pode a União,
ademais, instituir isenção para os atos de seu interesse, dado o caráter
público de tais solicitações13:
[...] O decreto-lei
1.537/177, ao instituir isenção para a União do pagamento de custas e
emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis e de Registro de
Títulos e Documentos, disciplina, em caráter geral, tema afeto à própria função
pública exercida pelos notários e registradores, conforme previsto no § 2º do
art. 236 da Constituição da República. Competência legislativa da União. Viola
o art. 236, § 2º, da Constituição Federal, ato do poder público que nega à
União o fornecimento gratuito de certidões de seu interesse.
Por fim, imperioso
destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal enaltece a importância da
atividade notarial e registral, como típica atividade estatal, conforme o
seguinte julgado14:
[...] Numa frase,
então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas
não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as
atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de
legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle
externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio
estatal, passam a se confundir com serviço público.
Neste viés,
verifica-se que a atividade notarial e registral, permeada por inúmeros
princípios e valores constitucionais, reveste-se de complexo e denso feixe de
atribuições e responsabilidades legais, defluindo sua grande importância para
todos, especialmente no que tange à segurança jurídica e paz social, num leque
constitucional garantidor que o próprio Supremo Tribunal Federal visa proteger
para o aperfeiçoamento de tal atividade para benefícios da sociedade
brasileira.
________________
1 CASSETTARI,
Christiano. Registro de Imóveis / Christiano Cassettari, Marcos Costa Salomão;
coordenado por Christiano Cassetari - Indaiatuba: Editora Foco, 2022, p.
224-225
2 MARTINS, Robson. O
direito à moradia das pessoas idosas e o superendividamento. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2022, p. 72.
3 LOUREIRO, Luiz
Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 10 ed. ver. atual e ampl.
Salvador: Editora Juspodivm, 2019, p. 55
4 PAIVA, João Pedro
Lamana. Registro civil de pessoas jurídicas / João Pedro Lamana Paiva, Pércio
Brasil Alvares; coordenado por Christiano Cassettari, - 5 ed. Indaiatuba, SP:
Editora Foco, 2022, pág. 5
5 STF, ARE 862.156,
Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.03.2015
6 STF, ADI 1.855, rel. min. Nelson Jobim, j. 16-5-2002,
P, DJ de 19-12-2002
7 STF, MS 29.265 AgR, rel. min. Rosa Weber, j. 30-8-2016, 1ª T, DJE de 11-5-2017
8 STF, ADI 2.602, red. do ac. min. Eros Grau, j. 24-11-2005, P, DJ de 31-3-2006
9 STF, MS 30.180 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 21-10-2014, 1ª T, DJE de 21-11-2014
10 STF, RE 611.639,
rel. min. Marco Aurélio, j. 21-10-2015, P, DJE de 15-4-2016, Tema 349
11 STF, ADI 3.264,
rel. min. Rosa Weber, j. 21-3-2022, P, DJE de 29-3-2022
12 STF, ADI 1.378 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 30-11-1995, P, DJ de 30-5-1997
13 STF, ADPF 194, red. do ac. min. Alexandre de Moraes, j. 5-8-2020, P, DJE de 13-10-2020
14 STF, ADI 3.643,
voto do min. Ayres Britto, j. 8-11-2006, P, DJ de 16-2-2007
Autores:
Érika Silvana
Saquetti Martins é doutoranda Dto ITE. Mestre Dto. UNINTER. Mestranda Pol Públicas UFPR.
Espec Dto e Proc Trabalho, Dto. Público e Notarial e Registral. Professora Pós
Graduação latu sensu Direito Uninter. Advogada.
Robson Martins é doutorando Direito UERJ. Mestre
Direito UFRJ. Especialista em Direito Civil, Notarial e Registral. Professor
universitário. Procurador da República. Promotor de Justiça PR 99/02. Técnico
JFPR 93/99.
Fonte: Migalhas