No início de 2022, o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) contabilizou cerca de 80 milhões de processos pendentes no
Poder Judiciário. Segundo o órgão, mesmo que o corpo jurídico do Brasil fosse
inteiramente mobilizado para a resolução de litígios em trâmite, barrando novas
causas, seriam necessários mais de três anos de trabalho para desafogar o
sistema.
Sendo assim, a resolução de conflitos
no âmbito extrajudicial tornou-se uma das soluções mais viáveis. Essa é,
inclusive, uma percepção comum à população brasileira, que vê nos cartórios a
instituição mais confiável do país, acima do Poder Judiciário, Ministério
Público, Congresso Nacional e Forças Armadas. Constatação essa confirmada pelo
Instituto DataFolha, em julho de 2022. De acordo com a pesquisa, a maioria dos
entrevistados afirmaram acreditar na melhoria de diversos serviços, caso fossem
realizados pelos cartórios.
A desjudicialização, prevista pela Lei
11.441, permite, desde 2017, que inventários, divórcios e partilhas de bens
consensuais sejam feitos diretamente em cartórios. Mas há um horizonte ainda
maior, que mira na ampliação dos cartórios como agentes de cidadania. Para mais
de 60% dos entrevistados pela pesquisa do Datafolha, o registro de empresas,
requerimentos previdenciários e emissão de passaporte também deve ser
atribuição dos cartórios. Esses dados são a prova de que a atuação
diversificada do país é um acréscimo na competência e eficiência nacional para
a pacificação social e garantia de acesso a direitos básicos.
Uma vez desprovida de recursos para
julgar um volume estrondoso de ações no Brasil, a Justiça, desligada de uma
ideia escassa de judicialização predatória e litigiosidade desenfreada, deve
contar com outras instituições para diminuir sua atual morosidade e corrigir
deficiências processuais. Agora, qual das instituições estaria mais apta a
assumir o desafio senão a mais confiável entre os brasileiros?
E mais interessante que a credibilidade
junto à população é a constância desse prestígio: os cartórios também ocuparam
a liderança no índice de satisfação de usuários em comparação com outras
organizações públicas e privadas.
O contentamento coletivo com nossos
serviços subiu consideravelmente nos últimos anos, conquistando resultados 24%
maiores em relação a 2015. Durante o levantamento, também foi revelado que,
além da confiabilidade, honestidade, segurança e competência são as principais
características atribuídas às atividades cartorárias. Dessa forma, notários e
registradores são mais do que capacitados para assumir a missão de desafogar o
Judiciário, solucionando com eficácia e celeridade os conflitos sociais da
instância dos tribunais para a instância extrajudicial.
Outro benefício dessa solução é a
capilaridade, ou seja, o alcance dos cartórios nacionais. Afinal, são 15 mil
serventias espalhadas pelos mais de cinco mil municípios e distritos
brasileiros. Nesse caso, também é inquestionável a ampliação do acesso a
direitos essenciais.
A desjudicialização é, portanto, uma
estratégia de eficiência que possibilita a construção de uma justiça
coexistencial, em que Poder Judiciário e serviços extrajudiciais caminham de
mãos dadas. Para finalizar, já que 72% dos entrevistados pela pesquisa do
DataFolha consideram a atividade cartorária essencial para o desenvolvimento da
sociedade contemporânea, é preciso investir no sistema de colaboração,
agilizando problemáticas solucionáveis, otimizando o relacionamento coletivo e
comunitário e conciliando conflitos.
Rogério Portugal Bacellar é
presidente da Confederação Nacional de Notários e Registradores (CNR) e da
Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR).