Após dois anos de pandemia, marcados por lives e
encontros virtuais, especialistas do meio jurídico se reuniram em Gramado, na
Serra Gaúcha, para o XII Congresso do Mercosul de Direito de Família e
Sucessões, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM,
seção Rio Grande do Sul. A edição, realizada entre 24 e 25 de junho, reuniu
1.150 congressistas.
Foram dois dias de imersão total em temas de extrema relevância para a
atuação de profissionais do Direito das Famílias e das Sucessões. No palco do
Palácio dos Festivais, conhecido por sediar o Festival de Cinema de Gramado, os
palestrantes provocaram reflexões sobre questões emergentes e pertinentes ao
mundo jurídico.
Por meio de uma videoconferência, a ministra abordou o papel do STF no
Direito de Família e Sucessões, e examinou a aplicação da Constituição na
seara. Segundo Cármen Lúcia, o Supremo considera os princípios da dignidade
humana e da solidariedade humana, expressos na Constituição.
A ministra reconheceu a importância da atuação do IBDFAM, e das figuras
do presidente do Instituto, Rodrigo da Cunha Pereira, e da vice-presidente
Maria Berenice Dias. Pontuou que o IBDFAM cumpre papel não apenas de espaço de
reflexão e de propostas, mas também de atuação judicial.
Também diretora da região Sudeste do IBDFAM e presidente da Comissão
Científica do Instituto, Giselda Hironaka falou sobre os “Vinte anos de Código
Civil: trajetória do Direito das Sucessões”.
Em sua exposição, Giselda Hironaka lembrou que as últimas duas décadas
foram de grandes incertezas para os operadores do Direito. “A forma como os
institutos eram regulados muitas vezes se apresentavam de maneira
contraditória. Além disso, nenhuma razão plausível justificava o recuo de
conquistas importantes.”
O primeiro painel do XII Congresso do Mercosul de Direito de Família e
Sucessões reuniu especialistas para discussões sobre regime de bens, partilha
em vida, planejamento sucessório e a figura do juiz de garantias e seus
reflexos na aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Em sua fala sobre as
“questões atuais em regime de bens”, a advogada e professora Débora Brandão
destacou que “previdência privada não se comunica, em hipótese alguma”.
O procurador de Justiça Fábio Sbardellotto abordou a nova figura do juiz
de garantias e seus reflexos na aplicação da Lei Maria da Penha. Ponderou que a
jurisprudência é sólida no sentido de que as medidas protetivas de urgência são
de natureza penal, portanto, o juiz que analisar pedido de concessão de medidas
protetivas de urgência não estará impedido de atuar na ação penal, ou cível,
relativa ao mesmo fato.
“Planejamento sucessório” é o tema que norteou a fala do advogado
Conrado Paulino da Rosa, diretor executivo do IBDFAM-RS. O especialista
destacou, entre outros pontos, a importância do planejamento sucessório e a
adequação para a especificidade de cada família. Regime de bens, doação, seguro
de vida e previdência privada também foram destaques da palestra.
As advogadas Simone Tassinari Cardoso, membro da diretoria executiva do
IBDFAM-RS, e Luciana Faísca, presidente do IBDFAM-SC, participaram da mesa
interativa “União estável e seus requisitos para configuração''. No segundo
painel do evento, as especialistas abordaram aspectos do reconhecimento da
união estável, como tempo mínimo, admissão de prova contrária , retroação e
efeitos.
Os inscritos também participaram do workshop “Sonegação
de bens nas dissoluções afetivas e no inventário causa mortis”, que contou com
a presença do promotor de Justiça aposentado, Dimas Messias de Carvalho, e da
advogada Marina Cardoso Dinamarco.
O promotor avaliou pressupostos e hipóteses de sonegação, e prazos para
propositura da ação, entre outras questões. Em sua fala, Marina Dinamarco
pontuou as espécies mais comuns de fraudes e os mecanismos de combate e
soluções.
Durante o Painel 3, os congressistas tiveram uma verdadeira aula sobre
herança digital e novas tecnologias. O advogado Marcos Ehrhardt Jr., diretor do
Conselho Consultivo do IBDFAM, examinou a herança digital e lembrou que não há
consenso sobre o tema.
Já o advogado Darci Guimarães Ribeiro abordou as novas tecnologias a
favor da execução de alimentos. Citou, entre elas, prova digital, inteligência
artificial, SISBAJUB, WS-RENAJUD, Sistema de Investigação de Movimentações
Bancárias – SIMBA, Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC
e Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI.
A amplitude do conceito de família foi discutida durante o talk
show mediado pela escritora Martha Medeiros, que encerrou a noite. O
momento proporcionou aos congressistas um olhar diferente sobre questões que
impactam diretamente no meio jurídico.
A escritora promoveu reflexões, de forma sensível e humanista, sobre o
universo das relações familiares. Para Martha Medeiros, o primeiro evento
presencial após dois anos de pandemia representa um ensaio para o reencontro.
“Começamos a ensaiar uma vida normal. Nunca pensamos que sentiríamos tanta
saudade do normal. Nós, que sempre queremos o diferente."
O segundo dia do Congresso do Mercosul foi pautado por discussões ricas
e densas sobre pautas relevantes do cenário jurídico nacional. O Painel 5 teve
início com a palestra “Inventário e negócios imobiliários: a interface entre o
direito das sucessões e o direito imobiliário”, do advogado e professor Rodrigo
Toscano de Brito. O especialista abordou os aspectos da permuta e das holdings
imobiliárias, entre outras questões, como a partilha dos bens digitais.
Também no palco, a advogada Jaqueline Mielke falou sobre os “Aspectos
processuais do procedimento de inventário e partilha”. A “Arbitragem em Direito
de Família e Sucessões” foi o tema explanado pelo advogado Mário Delgado,
presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM. Em sua fala, Mário
destacou que o tema tem grande desenvolvimento no Brasil na matéria
obrigacional, mas não em família.
O Painel 6 foi aberto pela professora Beatriz Gershenson, que avaliou a
“Judicialização da questão social em um diálogo crítico com as repercussões
para as famílias”. Em seguida, o juiz Fernando Moreira Freitas da Silva
refletiu sobre o sistema de adoção no Brasil e o melhor interesse da criança e
do adolescente.
O magistrado questionou a atuação do Legislativo e do Judiciário para
garantir o melhor interesse da criança na seara da adoção. A possibilidade de
adoção por padrinhos também foi examinada pelo especialista.
Em outro momento, o psicólogo Fernando Elias José abordou as “Mentes
perigosas nas relações afetivas''. Por meio da atuação, o profissional
exemplificou transtornos psicológicos e avaliou as repercussões nos
relacionamentos contemporâneos.
Em seguida, os congressistas do XII Congresso do Mercosul de Direito de
Família e Sucessões participaram de um workshop sobre “Namoro
e União Estável: aspectos polêmicos e casos famosos”. A atividade contou com a
presença da advogada Delma Silveira Ibias, vice-presidente do IBDFAM-RS, e do
advogado Diego Silveira, membro da diretoria executiva do IBDFAM-RS.
Durante o encontro, os especialistas examinaram a "área
cinzenta" entre o namoro qualificado e a união estável. Abordaram o
contrato de namoro, o regime de bens da união estável e as legislações
aplicáveis.
"Filiação: perícias psicológica e genética” foi outro tema de
destaque na tarde de sábado (25). O workshop que enfocou a
questão reuniu a psicóloga Glicia Barbosa de Mattos Brazil e a perita Fernanda
Rosa Sawitzki.
A psicóloga Glicia Brazil analisou a relação do apego no processo de
formação do afeto da criança. Comparou o pedido de adoção e o pedido de
reconhecimento de paternidade socioafetiva.
Em sua abordagem, a perita Fernanda Sawitzki destacou que a investigação
de vínculo genético na atualidade se resume em análise de DNA. Citou dados que
revelam que, até abril de 2022, foram registrados 858.108 recém-nascidos, 6,6%
deles sem o nome do pai na certidão de nascimento. O número de mães solo
cresceu em 5.754 registros.
O sétimo painel do Congresso girou em torno do “Direito de acrescer e
redução das disposições testamentárias” e dos “Conflitos de leis e de
jurisdição internacional no Direito de Família e das Sucessões”. Participaram o
advogado Braulio Pinto, presidente do IBDFAM-RS, e o professor Fernando Pedro
Meinero.
Braulio destacou que o direito de acrescer ocorre quando, na sucessão
testamentária, o autor da herança cria uma solidariedade entre coerdeiros
testamentários ou colegatários, beneficiando-os conjuntamente, sem determinação
da cota de cada um. Já a diversidade do direito material e as normas de
conflitos de jurisdição no Brasil foram destaque na fala do professor Fernando
Meinero.
No último painel do evento, o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do
IBDFAM, falou sobre a “Violência econômica”. O especialista lembrou que a
violência patrimonial se ampliou ao longo dos últimos anos. Afirmou que houve
uma sofisticação dessa violência contra pessoas vulneráveis, “fruto de uma
cultura que ainda não foi varrida da sociedade”.
“Tomada de decisão apoiada: uma visão prática” foi o tema abordado pelo
analista judiciário Salomão Resedá, membro do IBDFAM. O palestrante citou
precedentes e pontuou que a tomada de decisão apoiada é um mecanismo de apoio
ao exercício da capacidade legal que ajuda a pessoa, com alguma limitação, para
que mantenha a sua autonomia, mas, “visando cercar-se de maior proteção, possa
receber apoio de terceiros no processo de tomada de decisão, sobretudo aquelas
que implicarem efeitos jurídicos para si e/ou terceiros”.
O advogado Ricardo Calderón, membro da diretoria do IBDFAM-PR, ministrou
palestra sobre a “Multiparentalidade: efeitos pessoais e patrimoniais”. Entre
os destaques da fala, o especialista citou as projeções sucessórias.
“Estamos percebendo, no Brasil, uma enxurrada de pedidos de
reconhecimento de filiações em multiparentalidade post mortem, com uma
pretensão clara patrimonial sucessória”, pontuou Calderón.
O promotor de Justiça Cristiano Chaves de Farias foi o responsável por
encerrar a programação do XII Congresso do Mercosul de Direito de Família e
Sucessões. Na conferência de encerramento, o especialista abordou “As novas
competências das Varas de Família: pontos de interseção e diáspora com as Varas
da Violência Doméstica e da Infância e Juventude”.
O promotor enfocou, entre outros detalhes, a possibilidade de a vítima
de violência doméstica, na prioridade da proteção integral, resolver na Vara da
Violência Doméstica questões ligadas à dissolução do casamento, guarda dos
filhos e alimentos, além de aspectos que envolvem a tutela dos vulneráveis.
Fonte: Ibdfam