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Artigo - A cláusula de inalienabilidade testamentária: breves considerações

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Resumo:

 

O presente artigo visa analisar a possibilidade de rever a inalienabilidade gravada sobre bem, após ocorrida alteração do fato motivador à configuração desta. Verificando se há possibilidade jurídica para manutenção ou não, após a modificação do fato gerador, através de análise doutrinária, legal e jurisprudencial acerca do tema e similares.

 

Palavras-chaves: inalienabilidade; testamento; herança; legítima;

 

Abstract:

 

This article aims to analyze the possibility of reviewing the inalienability recorded on the property, after the change of the motivating fact to its configuration has occurred. Checking if there is a legal possibility for maintenance or not, after modifying the triggering event, through doctrinal, legal and jurisprudential analysis on the subject and the like.

 

Keywords: inalienability; testament; heritage; legitimate;

 

Sumário

 

Introdução. 1.Inalienabilidade testamentária. 2. A cláusula testamentária e suas possibilidades de uso. 3. Restrição vitalícia de direito após sanar o problema que deu causa à restrição. Referências.

 

Inalienabilidade

 

A inalienabilidade é a restrição de um dos elementos que dão concretude à propriedade, o direito de dispor. Ou seja, impede que um dos elementos inerente à propriedade, por sua natureza real, seja desfrutado[2]. Sendo que, os direitos que recaem sobre a propriedade estão elencados no art. 1.228, do Código Civil (usar, gozar, dispor, reaver)[3].


Portanto, o proprietário do bem inalienável sofre sofre restrição do seu direito inerente à propriedade, por vontade testamentária daquele que lhe garante o direito à herança.  Isso implica também, na impossibilidade do bem de ser adquirido por terceiro de forma derivada, mas permitindo a aquisição originária do bem.

 

Assim, a parte que adquire o bem em sede de herança fica impedido de realizar a transferência da propriedade à terceiro, a não ser que possua autorização judicial para tanto.


Conforme art. 1.911, do Código Civil, que prevê a impenhorabilidade e a incomunicabilidade do bem gravado por esta cláusula[4], até mesmo em casos onde se permita, de forma judicial, a venda do bem, outros deverão ser adquiridos e gravados com as mesmas restrições[5], como forma de manter a vontade testamentária e a proteção patrimonial ao indivíduo, que em tese, dela necessita.

 

Em resumo, a cláusula testamentária que impõe a inalienabilidade sobre o bem é a forma pela qual o testador vê a possibilidade de garantir a proteção ao patrimônio, mesmo após seu falecimento. Ocorre em muitos casos quando o herdeiro é pródigo, ou similar, por se desfazer de forma inconsequente dos bens materiais que possui.


Ou seja, por muitas vezes é a única forma que o de cujus vê como forma de proteção ao bem e ao indivíduo que com ele ficará. Considerando que possui características que o levam a ser mau administrador do bem e indicam que quaisquer alienações do bem seriam feitas de forma inconsequente, portanto, melhor que não ocorram.


Assim, após entender o que é a inalienabilidade, passamos à análise de quando é possível utilizá-la em testamento.

 

A cláusula testamentária e suas possibilidades de uso

 

Os entendimentos doutrinários, legais e jurisprudenciais seguem a mesma linha lógica, onde há necessidade de justificar a imposição da cláusula, bem como, garantir que a cláusula será extinta, com no máximo o período de tempo em que o herdeiro for vivo, não havendo possibilidade de ser eterna e aplicável à futuras gerações[6].


Pode, ainda, ter prazo certo e ser encerrada por evento determinado ou determinável. Como por exemplo o pai que, antes de falecer, impõe em seu testamento cláusula para que o filho somente possa alienar imóvel após a conclusão de sua faculdade. Ou ainda, que perdure até o prazo de dois anos após a reabilitação de herdeiro viciado em tóxico, para garantir que a venda do bem não terá como finalidade a manutenção de vício, e quaisquer outras cláusulas que justifiquem de forma adequada o motivo para haver a imposição da restrição.

 

A necessidade da cláusula ser acompanhada de justa causa para sua imposição, passou a ser utilizada após a entrada em vigor do Código Civil de 2002. O que garante aos testamentos anteriores eficácia destas cláusulas, mesmo que sem justificativa, caso o falecimento tenha ocorrido até um ano da entrada em vigor do Código[7]. Isso porque, sempre que possível, a vontade do testamenteiro será levada em consideração para realização da partilha e futuros efeitos decorrentes desta.

 

Assim, atualmente, havendo a necessidade de justificar a imposição, acaba sendo sempre análise subjetiva do caso concreto, para verificar a necessidade de aplicação da cláusula ao bem a ser adquirido pelo herdeiro, ou da abusividade e nulidade da mesma[8].


A justa causa exigida, por tanto, costuma se basear na prodigalidade, na existência de vícios, e diversos outros problemas que podem ser sanados durante a vida do herdeiro. Assim, é possível que a cláusula possua tempo determinado, caso consiga ser mensurado, determinável, marcado por fator certo ou ainda de forma vitalícia, como veremos no capítulo a seguir.

 

Restrição vitalícia de direito após sanar o problema que deu causa à restrição.

 

Para alguns autores, a simples restrição ao patrimônio que pertence ao herdeiro, é afronta constitucional ao direito de propriedade, ao direito de herança e à dignidade da pessoa humana[9]. O que, ao meu ver, é evidente.


A vontade do falecido ganha valor extremo ao ultrapassar os direitos previstos para o proprietário de um bem e restringi-los, ou ao tirar a liberdade que este tem, e transformá-lo em mero usufrutuário[10], do que é um direito real pertencente a ele na origem.


Cumpre ainda salientar que, a possibilidade, prevista jurisprudencialmente, de permitir que não haja prazo para que se encerre o gravame, é ainda mais abusiva do que as cláusulas que são temporárias. Isso porque, diversas vezes, o motivo que ensejou a restrição é extinto, e o herdeiro permanece atrelado àquela situação por muito tempo, aguardando decisão judicial que lhe livre do gravame.


Da mesma forma, há necessidade de ficar à disposição do judiciário, sempre que quiser alienar o bem ou tentar retirar a cláusula que lhe foi imposta, sempre que houver quaisquer alterações na situação fática. O que é demorado e gera gastos, com advogados, custa processuais, laudos, e demais outros que se fizerem necessários.


Conforme previsão legal, a restrição sobre o bem, apenas poderia ocorrer por meio de decisão judicial e os proveitos adquiridos da alienação, deveriam ser empregados na aquisição de outro bem do mesmo tipo, que continuaria gravado pela restrição.

 

Ocorre que, apesar de todas as previsões legais imporem proteção extensa à vontade do falecido, o ideal seria verificar os interesses do herdeiro vivo. Afinal, é este quem pode se prejudicar ou beneficiar com a alienação do bem deixado, não havendo qualquer prejuízo do testador.


Assim, mesmo após a cláusula passar por análise e ser considerada de válida aplicação, deveria ser permitida a reanálise posterior da mesma, para que deixe de valer caso a justa causa não mais prevaleça, o que já ocorre em certos tribunais[11]. Sendo este, o fato gerador do impedimento, com sua alteração, deveria poder ser o fato modificativo e extintivo da cláusula testamentária que com o tempo se tornaria mais abusiva do que a mera restrição para garantir o “melhor” ao herdeiro.

 

Ou seja, em conclusão, mesmo a cláusula testamentária que seja realizada com propósito vitalício pode ser extinta de forma anterior, caso reste comprovada as benesses ao herdeiro, deste feito.


Ainda sim, vislumbro que este tipo de cláusula é de extrema fragilidade. Pois, desde sua origem coloca o interesse particular, frente à preceitos constitucionais. Bem como, se baseia em elementos subjetivos para sua mantença ou nulidade, o que torna instável a aplicação ou não da cláusula e mesmo após aplicada, poderá ser extinta. Em resumo, é cláusula de aplicação com efeitos variáveis e muitas vezes desnecessária, por já haver proteção jurídica que poderá ser tomada, ainda em vida, para assegurar a estabilidade financeira daquele que, sozinho, não conseguirá mantê-la.

 

Os pródigos, por exemplo, não podem realizar sozinhos estes tipos de alienação, ou os outros relativamente incapazes, pela condição de incapacidade que possuem. Bem como ocorre com os absolutamente incapazes, e quaisquer outros que possam ter sua capacidade civilmente reduzida, não necessitando da aplicação da cláusula em si.


Portanto, já há instituto legal que garante proteção a esses indivíduos e aos seus bens, não cabendo à particular, restringir o direito de propriedade de forma extrema, daquele que pode ter tutor/curador, responsável por auxiliar e garantir os interesses daquela, sem que tenha que ficar anos aguardando decisões judiciais que lhe permitam ou não, alienar bens que muitas vezes necessita com urgência, para um tratamento ou quaisquer outros destinos que não o de novo bem com a mesma restrição e de forma infinitamente mais célere.