É frequente a dúvida
sobre haver ou não a possibilidade de alteração do regime de bens estipulado
pelos cônjuges. Sim, a mudança é perfeitamente possível e está prevista no
Código Civil, no §2º do art. 1.639. Mas essa alteração deve ser requerida em
juízo e, naturalmente, ser fundamentada. No art. 734 do Código de Processo
Civil também está prevista a possibilidade de alterar o regime de bens do
casamento. Além do pedido motivado dos cônjuges, a regra exige a oitiva do
Ministério Público e a publicação de edital divulgando a mudança almejada,
ressalvando, logicamente, direitos de terceiros.
A parca
jurisprudência sobre essa matéria versa sobre o que seria ou não uma
"fundamentação merecedora" do beneplácito do Poder Judiciário e do
Parquet (REsp. 1.904.498-SP, ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, de 6/5/21);
sobre se a sentença que julgou procedente o pedido de alteração do regime de
bens terá eficácia ex tunc ou ex nunc (REsp. 1.300.036-MT, ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, 3ª turma, de 20/5/14); sobre a possibilidade de se partilhar os
bens de pessoas casadas (REsp. 1.533.179-RS, ministro Marco Aurélio Bellizze,
3ª turma, de 8/9/15); e a de alteração do regime de bens de casamento celebrado
sob a égide do Código Civil de 1916 (REsp. 730.546-MG, ministro Jorge
Scartezzini, 4ª turma, de 23/8/05).
A questão que se
pretende ver discutida, no entanto, é a necessidade da lavratura de pacto
pós-nupcial antes ou após a sentença que julgar procedente o pedido da alteração
de bens do casal. O próprio nome do instituto nos remete à ideia de
anterioridade: o pacto antenupcial deve ser efetivado antes do casamento,
quando os noivos pretendem optar por um regime de bens diverso daquele previsto
na norma legal (ou mesmo optar por um regime misto ou híbrido), ou seja,
comunhão parcial ou separação legal de bens (neste último caso, não há
possibilidade de escolha).
O pacto antenupcial é
um negócio jurídico, que existe, é válido (vide art. 104, do Código Civil) e
somente será eficaz se lhe seguir o casamento. O pacto não tem como objetivo
exclusivamente tratar de questões patrimoniais, como pactuar a dispensa de um
dos cônjuges de contribuir para as despesas do casal (art. 1.688, do Código
Civil), a separação convencional de bens, a livre disposição dos bens imóveis
particulares no regime da participação final nos aquestos (art. 1.656, do
Código Civil) ou a indenização em caso de divórcio. Pode-se igualmente tratar
no pacto antenupcial de questões não patrimoniais, como renúncia ao dever de
fidelidade, desnecessidade de coabitação, nomeação de tutor e escolha
religiosa, entre outras.
Para que o pacto
antenupcial tenha efeito erga omnes, ou seja, perante terceiros e não somente
em relação ao casal, é que seu registro seja feito no primeiro domicílio do
casal, e a averbação no local da situação dos imóveis de propriedade do casal,
sob pena da aplicação do regime legal previsto no art. 1.640 do Código Civil
(art. 1.657, do Código Civil c/c 12, inciso I, do art. 167, c/c 1, inciso II,
do art. 167, e 244, todos da lei 6.015/73, vide também §3º, art. 6º da medida
provisória 1.085, de 27/12/21).
O pacto antenupcial é
um contrato que norteará a vida patrimonial e extrapatrimonial de determinado
casal, entre si e perante terceiros. Seguindo este raciocínio, a indagação que
se faz é: quando o juízo monocrático deferir, por exemplo, o pedido de alterar
o regime de comunhão parcial para separação convencional e absoluta de bens,
haverá ou não a necessidade de lavratura de um pacto pós-matrimônio?
Nos casos por mim
compulsados, os juízes de 1º grau, em sua unanimidade, não determinam a
lavratura de pacto nupcial e expedem mandados de averbação aos registros civis
de pessoas naturais competentes, para que simplesmente proceda à alteração do
regime de bens, sem que haja um novo pacto. Discordo deste procedimento, pois
entendo que há necessidade da lavratura do pacto nupcial, que, in casu, será
pós-nupcial, pelas razões que se seguem:
1. O pedido formulado
pelas partes ao juízo foi de alteração do regime de bens. Portanto, a sentença
que julgou o pedido deverá se limitar a anuir ou não com o pedido de alteração
do regime, atendendo, por conseguinte, os preceitos contidos nos arts. 141 e
492 do Código de Processo Civil, que, por sua vez, fazem alusão ao princípio da
adstrição ou da congruência ou da conformidade.
2. O pacto
nupcial é negócio jurídico bilateral, que poderá versar sobre diversas questões
do interesse do casal e que não tem correlação com o pedido formulado em juízo,
haja vista que o pedido se limitou à alteração do regime de bens. Fora isso,
repita-se, a nossa lei substantiva prevê, no seu artigo 1.653, que o pacto
deverá ser efetivado por escritura pública, caso contrário, o ato será nulo
3. O pacto nupcial
deverá ser registrado e averbado para que surta os seus efeitos perante
terceiros.
Ultrapassado o
questionamento da necessidade ou não da lavratura de pacto nupcial quando há
alteração do regime de bens, determinado pelo magistrado, outra pergunta é: em
qual momento deveremos apresentar esse pacto no processo em que se requer a
alteração do regime de bens?
Entendo que esse
pacto deverá ser apresentado no pedido inicial do processo judicial, a fim de
que o juízo a quo e o Ministério Público analisem se não há, no mencionado
pacto, convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta de lei (vide
art. 1.655, do Código Civil). Caso o juiz singular julgue procedente o
pedido formulado pelas partes, deverá fazer constar da sentença o pacto firmado
entre elas, expedindo os devidos mandados após o trânsito em julgado da
sentença.
Entretanto, em duas
decisões monocráticas por mim verificadas, pude constatar que os juízes
determinaram a juntada do pacto na própria sentença, quando já encerrada a sua
prestação jurisdicional, contrariando a regra processual prevista no art. 494,
da lei adjetiva e sem a análise ainda que perfunctória da legalidade do pacto
nupcial. Poderia o tabelião lavrar esse pacto pós-nupcial? E de que forma,
visto que o pedido de alteração do regime de bens formulado pelas partes ainda
não fora deferido pelo juízo?
Entendo que o
tabelião pode e deve lavrar esse pacto, a fim de atender à vontade das partes e
às normas legais e processuais. Esse foi um caso concreto que ocorreu no 15º
Ofício de Notas da comarca da capital do Rio de Janeiro, em que a escritura de
pacto nupcial foi lavrada sob a condição suspensiva, condicionando a sua
eficácia ao deferimento e trânsito em julgado do pedido do casal direcionado ao
juízo a quo, solicitando a alteração do regime de bens do seu casamento.
Situação semelhante
ocorre quando se lavra um pacto antenupcial, ou seja, antes do matrimônio: a
escritura de pacto é lavrada, o pacto existe, é válido, mas somente será eficaz
se lhe sobrevier o casamento. Nesse outro caso, em que o casamento já ocorreu e
houve o pedido da alteração do regime de bens, o pacto será lavrado, o ato
existe, é válido, mas só será eficaz se o magistrado concordar com o pedido de
alteração do regime de bens.
Na alteração do
regime de bens formulado em juízo, esse pedido deverá necessariamente vir
acompanhado de um pacto pós-nupcial, na própria inicial do processo, com vistas
à observância dos preceitos contidos nos arts. 1.653 e 1.655, ambos do Código
Civil, e arts. 494 e 734, do Código de Processo Civil.